CONCEPÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE
Nos últimos tempos, a educação
está enfrentando uma verdadeira “revolução” no momento em que o mundo todo se
transformou em um gigantesco mercado, onde as relações são marcadas
intensamente pela lucratividade e pelo consumismo. O processo de globalização
tem provocado muitas discussões e preocupações, no campo educacional. Isso
porque, para Dal Ri e Marrach (2000, p. 14) “a educação contemporânea [...] é o
resultado de uma evolução histórica que se encontra particularmente ligada ao
desenvolvimento do modo de produção capitalista, a evolução da ciência e da
dinâmica conflituosa das classes sociais”. Dessa forma, a educação é
influenciada diretamente pelo sistema capitalista, cujo caráter é competitivo,
individualista e excludente.
Segundo Jung Mo Sung (2006, p. 102-103):
Na sociedade do conhecimento em que estamos vivendo ou
para a qual estamos em processo de transição [...] a educação ocupa um lugar central
[...]. Os que defendem o atual modelo econômico-social veem a educação e a
produção de conhecimento como chaves na geração de mais riqueza e do
crescimento econômico; enquanto que os críticos propõem a educação de qualidade
para a maioria marginalizada dos países do Terceiro Mundo como uma das lutas
mais importantes para a superação da pobreza e da exclusão social.
Nesse sentido, a influência da globalização-neoliberal nos processos
educativos impede as reações sociais na busca pela efetivação da inclusão
social e, consequentemente, tem-se uma educação reprodutora de desigualdades
sociais e comercializada como se fosse uma mercadoria qualquer.
Fávero e Tonieto, na introdução do livro “Educar o
educador” (2010, p. 17) relatam que a escola como instituição foi um marco
histórico, se tornando um espaço onde os indivíduos puderam ter acesso ao
conhecimento e, assim, evoluir enquanto espécie humana. A partir das mudanças
sociais inesperadas, a escola ficou desorientada em relação a sua função
social, mergulhando em uma profunda crise. Isso porque, antes, as mudanças eram
tão brandas, que demorava muito tempo para se notar as diferenças e hoje, ao
contrário, os modos de ser e agir são muito diferentes e as mudanças, muito
rápidas, acontecendo dentro de uma mesma geração. É o que Enguita (2004, p.
14-15) chama de “mudança suprageracional” e “mudança intrageracional”,
respectivamente.
Hoje,
a sociedade parece estar voltada para tudo, menos para o conhecimento. Com a
chegada das tecnologias, a escola perdeu seu papel, já que as mídias se mostram
mais atrativas e incentivadoras da sociedade do consumo. Os professores, por
sua vez, precisam dar conta de tudo isso em suas salas de aula para cativar
seus alunos a buscarem o conhecimento, porque se for para tratar somente da
informação, certamente esse profissional está suplantado do sistema escolar.
Nesse ponto, Pimenta (2008) acredita ser fundamental esclarecer que
conhecimento não se restringe à informação, ou seja, a informação é apenas a
primeira etapa do conhecimento e, para se chegar a ele, essa informação precisa
ser trabalhada num estágio mais avançado, onde será classificada, analisada e
contextualizada.
Com
a velocidade fenomenal das mídias em veicular informações, vive-se uma
Revolução Industrial em pleno século XXI. A escola, enquanto instituição
formadora, e os professores precisam urgentemente repensar seu papel no sentido
de mediar a relação entre esta sociedade multimídia e os sujeitos, para que
estes possam utilizar-se das informações
disponíveis e chegar ao conhecimento e desenvolver a reflexão, duas condições
necessárias para a construção do ser humano.
Sendo
assim, quais saberes o professor deve ter para cumprir seu papel? Para Selma
Garrido Pimenta são os saberes da experiência, os saberes do conhecimento e os
saberes pedagógicos. Os saberes da experiência colaboram para que o indivíduo
possa “construir a sua identidade de professor” e “são também aqueles que os
professores produzem no seu cotidiano docente, num processo permanente de
reflexão sobre a sua prática” (2008, p. 20). Porém, ao mesmo tempo em que os
saberes da experiência dão segurança ao educador, também podem alimentar os
piores vícios, por se acreditar que é possível ensinar somente com a própria
vivência.
Os
saberes do conhecimento são considerados primordiais, porque “conhecer
significa estar consciente do poder do conhecimento para a produção da vida
material, social e existencial da humanidade” (p. 22). É importante que estes
saberes produzam algum sentido, que tenham voz frente às experiências de vida
dos sujeitos, caso contrário não terão validade e é, justamente, por causa
disso, que surgem os maiores problemas em relação à formação de professores.
Mesmo
assim, ao ensinar, o bom professor precisa ter, além dos saberes da experiência
e do conhecimento, principalmente, os conhecimentos pedagógicos, que são
construídos pela articulação de elementos presentes na experiência e no
conhecimento. Portanto, para Pimenta (2008, p. 25):
[...] à didática contemporânea compete proceder a uma
leitura crítica da prática social de ensinar, partindo da realidade existente
[...]. Considerar a prática social como o ponto de partida e como ponto de
chegada possibilitará uma ressignificação dos saberes na formação dos
professores.
E ainda, complementa
a questão dizendo que:
Nas práticas docentes estão contidos elementos
extremamente importantes, como a problematização, a intencionalidade para
encontrar soluções, a experimentação metodológica, o enfrentamento de situações
de ensino complexas, as tentativas mais radicais, mais ricas e mais sugestivas
de uma didática inovadora (p. 27).
É possível afirmar que grande parte das problemáticas
educacionais faz ou ainda fará referência ao papel do educador e a sua
formação, tanto inicial como continuada, pois, no processo educativo, ele é o
responsável pela “condução, organização, operacionalização e inovação” (FÁVERO
e TONIETO, 2010, p. 26). Assim, a questão proposta pelo Professor Altair
Alberto Fávero no primeiro dia de aula do Seminário Avançado: Políticas de
Formação Docente passa a fazer todo o sentido: “O que significa ‘formar
professores’ num contexto de sociedades complexas e plurais marcadas pelo
pensamento pós-metafísico”? Ainda, diante do da complexidade dos processos educativos,
como o professor está se preparando para enfrentar essa crise educacional e as
novas mudanças sociais?
Moacir Gadotti, no livro “Boniteza de um sonho” (2003,
p. 17) pergunta: “O que é ser professor hoje?” E responde:
Ser professor hoje é viver
intensamente o seu tempo com consciência e sensibilidade. [...] Os educadores,
numa visão emancipadora, não só transformam a informação em conhecimento e em
consciência crítica, mas também formam pessoas. [...] Eles fazem fluir o saber
– não o dado, a informação, o puro conhecimento – porque constroem sentido para
a vida das pessoas e para a humanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo,
mais produtivo e mais saudável para todos. Por isso eles são imprescindíveis.
A resposta de Gadotti sintetiza praticamente uma utopia,
pois sabe-se que com a universalização da escola, iniciou-se um processo de
expansão e precarização do trabalho docente. Hoje, a arte de educar pode não
ser fácil, mas nem difícil, porém, diferente, ao se levar em conta o que já foi
exposto. Logo, o educador precisa dar um novo significado a sua profissão,
refletindo sobre as novas exigências de sua profissão e sobre necessidade estar
em permanente formação. Como o saber é algo processual, o educador, igualmente,
é um eterno aprendiz, afinal, o conhecimento não está no certificado e precisa
ser recriado diariamente.
Benincá e Caimi (2002, p. 102) ressaltam três enfoques
principais ao tratar da formação continuada dos professores: processo informal
e espontâneo, processo formal em instituições de ensino e processo de autoformação
e formação coletiva através da relação teoria e prática. No primeiro enfoque,
processo informal e espontâneo, o que vai prevalecer são as experiências
cotidianas e o senso comum, considerados suficientes para a aprendizagem e formação
do educador, que por sua vez não sente a necessidade de buscar cursos de atualização
para melhorar a prática pedagógica. No segundo enfoque, a atualização acontece
por meio de processos formais em instituições de ensino, como por exemplo, os
cursos de especialização e mestrado, através de estudos mais teóricos. O terceiro
e último enfoque, caracteriza-se pelo que os autores chamam de “autoformação e
formação coletiva” (p. 104). Neste caso,
o educador é o pesquisador da própria prática, tornando-a o principal elemento
a ser estudado, uma vez que ela é fonte infinita de conhecimento.
Ao pesquisar e investigar a própria prática, o
educador pode compartilhá-la com os demais, bem como transformá-la num processo
de formação continuada, a qual atuará sobre as práticas pedagógicas e sobre as
histórias de vida. A formação pela práxis “[...] é capaz de intervir na
experiência, investigar a sua produção de sentido, articular novas e diferentes
possibilidades de ação docente, reatualizar as possíveis teorizações da prática
pedagógica e ressignificar os princípios universais das teorias pedagógicas”
(FÁVERO e TONIETO, 2010, p. 37).
Como já mencionado, as mudanças sociais foram muitas e
intensas, trazendo para o âmbito educacional, mais precisamente para os
educadores, um grande mal-estar. Esse é outro aspecto importante, resultado dos
inúmeros problemas que os educadores precisam enfrentar diariamente no
exercício de sua profissão. Fávero (2009, p. 409), em seu artigo “Políticas de
formação pedagógica: possibilidades de superar o mal-estar docente” cita a
reportagem da Revista Educação, de março de 2007, a qual afirma que “o
professor está doente” devido “ao excesso de trabalho, indisciplina em sala de
aula, salário baixo, pressão da direção, violência, demandas de pais de alunos,
bombardeio de informações, desgaste físico e, principalmente, a falta de
reconhecimento de sua atividade [...]”.
Deste modo, ao identificar os fatores que favorecem o
mal-estar docente é imprescindível refletir acerca das formas de combatê-lo.
São duas as possibilidades indicadas por José Manuel Esteve (apud FÁVERO, 2009,
p. 416): “uma abordagem preventiva destinada à formação inicial dos
professores” e outra “ uma abordagem que articula estruturas de ajuda
destinadas ao professorado em exercício (formação continuada)”.
Não por acaso, volta à tona a questão de formação do
educador, talvez porque este precise, com urgência, dar mais sentido a sua
profissão, mudar os discursos, seguir pela direção da mudança e não contra ela,
libertar-se das velhas concepções. Tais mudanças são essenciais e pressupõem o
que Gadotti (2003, p. 25) denomina como “uma nova cultura profissional”, porém,
elas devem englobar não somente os educadores, mas os sistemas de ensino e até
mesmo a sociedade.
REFERÊNCIAS
BENINCÁ, Elli;
CAIMI, Flávia Eloisa (Coord.). Formação
de professores: um diálogo entre a teoria e prática. Passo Fundo: Ed.
Universidade de Passo Fundo, 2004.
DAL RI, Neusa
Maria; MARRACH, Sonis Alem (Orgs.). Desafios
da educação do fim do século. Marília, SP: Unesp-Marília-Publicações, 2000.
ENGUITA, Mariano Fernández. Educar em tempos incertos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
FÁVERO, Altair
Alberto. Políticas de formação pedagógica: possibilidades de superar o
mal-estar docente. In: CENCI, Angelo; DALBOSCO, Claudio Almir; MÜHL, Eldon
Henrique (Coord.) Sobre filosofia e
educação: racionalidade, diversidade e formação pedagógica. Passo Fundo:
Ed. Universidade de Passo Fundo, 2009.
FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO,Carina. Educar o educador: reflexões sobre a formação docente. Campinas,
SP: Mercado das Letras, 2010.
GADOTTI, Moacir. Boniteza
de um sonho: ensinar e aprender com sentido. (Novo Hamburgo, RS: Feevale,
2003).
PIMENTA, Selma Garrido. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2008.
SUNG, Jung Mo. Educar para reencantar a vida.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário