terça-feira, 12 de agosto de 2014

CONCEPÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE


Nos últimos tempos, a educação está enfrentando uma verdadeira “revolução” no momento em que o mundo todo se transformou em um gigantesco mercado, onde as relações são marcadas intensamente pela lucratividade e pelo consumismo. O processo de globalização tem provocado muitas discussões e preocupações, no campo educacional. Isso porque, para Dal Ri e Marrach (2000, p. 14) “a educação contemporânea [...] é o resultado de uma evolução histórica que se encontra particularmente ligada ao desenvolvimento do modo de produção capitalista, a evolução da ciência e da dinâmica conflituosa das classes sociais”. Dessa forma, a educação é influenciada diretamente pelo sistema capitalista, cujo caráter é competitivo, individualista e excludente.
Segundo Jung Mo Sung (2006, p. 102-103):

Na sociedade do conhecimento em que estamos vivendo ou para a qual estamos em processo de transição [...] a educação ocupa um lugar central [...]. Os que defendem o atual modelo econômico-social veem a educação e a produção de conhecimento como chaves na geração de mais riqueza e do crescimento econômico; enquanto que os críticos propõem a educação de qualidade para a maioria marginalizada dos países do Terceiro Mundo como uma das lutas mais importantes para a superação da pobreza e da exclusão social.

Nesse sentido, a influência da globalização-neoliberal nos processos educativos impede as reações sociais na busca pela efetivação da inclusão social e, consequentemente, tem-se uma educação reprodutora de desigualdades sociais e comercializada como se fosse uma mercadoria qualquer.
Fávero e Tonieto, na introdução do livro “Educar o educador” (2010, p. 17) relatam que a escola como instituição foi um marco histórico, se tornando um espaço onde os indivíduos puderam ter acesso ao conhecimento e, assim, evoluir enquanto espécie humana. A partir das mudanças sociais inesperadas, a escola ficou desorientada em relação a sua função social, mergulhando em uma profunda crise. Isso porque, antes, as mudanças eram tão brandas, que demorava muito tempo para se notar as diferenças e hoje, ao contrário, os modos de ser e agir são muito diferentes e as mudanças, muito rápidas, acontecendo dentro de uma mesma geração. É o que Enguita (2004, p. 14-15) chama de “mudança suprageracional” e “mudança intrageracional”, respectivamente.
Hoje, a sociedade parece estar voltada para tudo, menos para o conhecimento. Com a chegada das tecnologias, a escola perdeu seu papel, já que as mídias se mostram mais atrativas e incentivadoras da sociedade do consumo. Os professores, por sua vez, precisam dar conta de tudo isso em suas salas de aula para cativar seus alunos a buscarem o conhecimento, porque se for para tratar somente da informação, certamente esse profissional está suplantado do sistema escolar. Nesse ponto, Pimenta (2008) acredita ser fundamental esclarecer que conhecimento não se restringe à informação, ou seja, a informação é apenas a primeira etapa do conhecimento e, para se chegar a ele, essa informação precisa ser trabalhada num estágio mais avançado, onde será classificada, analisada e contextualizada.
Com a velocidade fenomenal das mídias em veicular informações, vive-se uma Revolução Industrial em pleno século XXI. A escola, enquanto instituição formadora, e os professores precisam urgentemente repensar seu papel no sentido de mediar a relação entre esta sociedade multimídia e os sujeitos, para que estes possam utilizar-se  das informações disponíveis e chegar ao conhecimento e desenvolver a reflexão, duas condições necessárias para a construção do ser humano.
Sendo assim, quais saberes o professor deve ter para cumprir seu papel? Para Selma Garrido Pimenta são os saberes da experiência, os saberes do conhecimento e os saberes pedagógicos. Os saberes da experiência colaboram para que o indivíduo possa “construir a sua identidade de professor” e “são também aqueles que os professores produzem no seu cotidiano docente, num processo permanente de reflexão sobre a sua prática” (2008, p. 20). Porém, ao mesmo tempo em que os saberes da experiência dão segurança ao educador, também podem alimentar os piores vícios, por se acreditar que é possível ensinar somente com a própria vivência.
Os saberes do conhecimento são considerados primordiais, porque “conhecer significa estar consciente do poder do conhecimento para a produção da vida material, social e existencial da humanidade” (p. 22). É importante que estes saberes produzam algum sentido, que tenham voz frente às experiências de vida dos sujeitos, caso contrário não terão validade e é, justamente, por causa disso, que surgem os maiores problemas em relação à formação de professores.
Mesmo assim, ao ensinar, o bom professor precisa ter, além dos saberes da experiência e do conhecimento, principalmente, os conhecimentos pedagógicos, que são construídos pela articulação de elementos presentes na experiência e no conhecimento. Portanto, para Pimenta (2008, p. 25):

[...] à didática contemporânea compete proceder a uma leitura crítica da prática social de ensinar, partindo da realidade existente [...]. Considerar a prática social como o ponto de partida e como ponto de chegada possibilitará uma ressignificação dos saberes na formação dos professores.

E ainda, complementa a questão dizendo que:

Nas práticas docentes estão contidos elementos extremamente importantes, como a problematização, a intencionalidade para encontrar soluções, a experimentação metodológica, o enfrentamento de situações de ensino complexas, as tentativas mais radicais, mais ricas e mais sugestivas de uma didática inovadora (p. 27).

É possível afirmar que grande parte das problemáticas educacionais faz ou ainda fará referência ao papel do educador e a sua formação, tanto inicial como continuada, pois, no processo educativo, ele é o responsável pela “condução, organização, operacionalização e inovação” (FÁVERO e TONIETO, 2010, p. 26). Assim, a questão proposta pelo Professor Altair Alberto Fávero no primeiro dia de aula do Seminário Avançado: Políticas de Formação Docente passa a fazer todo o sentido: “O que significa ‘formar professores’ num contexto de sociedades complexas e plurais marcadas pelo pensamento pós-metafísico”? Ainda, diante do da complexidade dos processos educativos, como o professor está se preparando para enfrentar essa crise educacional e as novas mudanças sociais?
Moacir Gadotti, no livro “Boniteza de um sonho” (2003, p. 17) pergunta: “O que é ser professor hoje?” E responde:

Ser professor hoje é viver intensamente o seu tempo com consciência e sensibilidade. [...] Os educadores, numa visão emancipadora, não só transformam a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também formam pessoas. [...] Eles fazem fluir o saber – não o dado, a informação, o puro conhecimento – porque constroem sentido para a vida das pessoas e para a humanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo, mais produtivo e mais saudável para todos. Por isso eles são imprescindíveis.

A resposta de Gadotti sintetiza praticamente uma utopia, pois sabe-se que com a universalização da escola, iniciou-se um processo de expansão e precarização do trabalho docente. Hoje, a arte de educar pode não ser fácil, mas nem difícil, porém, diferente, ao se levar em conta o que já foi exposto. Logo, o educador precisa dar um novo significado a sua profissão, refletindo sobre as novas exigências de sua profissão e sobre necessidade estar em permanente formação. Como o saber é algo processual, o educador, igualmente, é um eterno aprendiz, afinal, o conhecimento não está no certificado e precisa ser recriado diariamente.
Benincá e Caimi (2002, p. 102) ressaltam três enfoques principais ao tratar da formação continuada dos professores: processo informal e espontâneo, processo formal em instituições de ensino e processo de autoformação e formação coletiva através da relação teoria e prática. No primeiro enfoque, processo informal e espontâneo, o que vai prevalecer são as experiências cotidianas e o senso comum, considerados suficientes para a aprendizagem e formação do educador, que por sua vez não sente a necessidade de buscar cursos de atualização para melhorar a prática pedagógica. No segundo enfoque, a atualização acontece por meio de processos formais em instituições de ensino, como por exemplo, os cursos de especialização e mestrado, através de estudos mais teóricos. O terceiro e último enfoque, caracteriza-se pelo que os autores chamam de “autoformação e formação coletiva” (p. 104).  Neste caso, o educador é o pesquisador da própria prática, tornando-a o principal elemento a ser estudado, uma vez que ela é fonte infinita de conhecimento.
Ao pesquisar e investigar a própria prática, o educador pode compartilhá-la com os demais, bem como transformá-la num processo de formação continuada, a qual atuará sobre as práticas pedagógicas e sobre as histórias de vida. A formação pela práxis “[...] é capaz de intervir na experiência, investigar a sua produção de sentido, articular novas e diferentes possibilidades de ação docente, reatualizar as possíveis teorizações da prática pedagógica e ressignificar os princípios universais das teorias pedagógicas” (FÁVERO e TONIETO, 2010, p. 37).
Como já mencionado, as mudanças sociais foram muitas e intensas, trazendo para o âmbito educacional, mais precisamente para os educadores, um grande mal-estar. Esse é outro aspecto importante, resultado dos inúmeros problemas que os educadores precisam enfrentar diariamente no exercício de sua profissão. Fávero (2009, p. 409), em seu artigo “Políticas de formação pedagógica: possibilidades de superar o mal-estar docente” cita a reportagem da Revista Educação, de março de 2007, a qual afirma que “o professor está doente” devido “ao excesso de trabalho, indisciplina em sala de aula, salário baixo, pressão da direção, violência, demandas de pais de alunos, bombardeio de informações, desgaste físico e, principalmente, a falta de reconhecimento de sua atividade [...]”.
Deste modo, ao identificar os fatores que favorecem o mal-estar docente é imprescindível refletir acerca das formas de combatê-lo. São duas as possibilidades indicadas por José Manuel Esteve (apud FÁVERO, 2009, p. 416): “uma abordagem preventiva destinada à formação inicial dos professores” e outra “ uma abordagem que articula estruturas de ajuda destinadas ao professorado em exercício (formação continuada)”.
Não por acaso, volta à tona a questão de formação do educador, talvez porque este precise, com urgência, dar mais sentido a sua profissão, mudar os discursos, seguir pela direção da mudança e não contra ela, libertar-se das velhas concepções. Tais mudanças são essenciais e pressupõem o que Gadotti (2003, p. 25) denomina como “uma nova cultura profissional”, porém, elas devem englobar não somente os educadores, mas os sistemas de ensino e até mesmo a sociedade.
REFERÊNCIAS

BENINCÁ, Elli; CAIMI, Flávia Eloisa (Coord.). Formação de professores: um diálogo entre a teoria e prática. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2004.

DAL RI, Neusa Maria; MARRACH, Sonis Alem (Orgs.). Desafios da educação do fim do século. Marília, SP: Unesp-Marília-Publicações, 2000.

ENGUITA, Mariano Fernández. Educar em tempos incertos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

FÁVERO, Altair Alberto. Políticas de formação pedagógica: possibilidades de superar o mal-estar docente. In: CENCI, Angelo; DALBOSCO, Claudio Almir; MÜHL, Eldon Henrique (Coord.) Sobre filosofia e educação: racionalidade, diversidade e formação pedagógica. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2009.

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO,Carina. Educar o educador: reflexões sobre a formação docente. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2010.

GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido. (Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2003).

PIMENTA, Selma Garrido. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2008.

SUNG, Jung Mo. Educar para reencantar a vida. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.



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